sábado, 16 de março de 2013
"Recados de Amor Matinal".
Entregava jornais como a última causa nobre que um ser humano pode fazer, ele garantia a ligação entre cada indivíduo e o resto do mundo. Abriu mão da graduação em direito, do emprego na firma do pai, das vantagens em ser associado ao clube da família, para poder ir para a forma mais simples de seu sonho: levar informação as pessoas. Acordava antes de todos e ia com sua bicicleta para a central de distribuição onde pegava os jornais da região pela qual era responsável. Não conversava muito, não interagia com os colegas de empresa, pegava seus jornais e ia pra sua rota. Seu salário mal dava pra pagar as contas do apartamentozinho que morava com uma geladeira, um colchão e uma máquina de escrever. Não tinha namorada nem amigos. O que tomava seu tempo livre, era redigir palavras de incentivo em forma de verso, que anexava com cada jornal que entregava. Poemas sobre o sol, sobre a chuva. Dizia que tudo ia acabar bem, mesmo que não parecesse agora. Incentivava as pessoas a sorrirem mais, conhecerem novos lugares e pessoas, enquanto ele mesmo não fazia. Ele sacrificava a própria liberdade em virtude de sua clareza, ele sabia o que devia ser feito, estudou todas as formas de se atingir o próprio bem estar, porém, como mártir de seu conhecimento, ele escolheu se dedicar a levar seu conhecimento para os outros, da forma mais trivial possível, pequenas notinhas anexadas ao jornal de domingo. Com o tempo a notícia se espalhou no bairro, as assinaturas do jornal aumentaram consideravelmente. Os patrões desconfiaram, foram investigar e no primeiro telefonema para um assinante, já descobriram os chamados "Recados de Amor Matinal" que vinham junto ao jornal. Chamaram ele para conversar, admirando ou não sua atitude, aquele comportamento não poderia continuar. A lista de assinantes era coisa séria e não deveria ser usada de outra forma que não a entrega dos jornais, e só dos jornais. Foi mandado embora. Sem dinheiro, sem recados de incentivo e sem levar o bem para as pessoas. Em seu quarto, seus textos ficavam cada vez mais sombrios, agora sem destinatários. Sua família já não se preocupava com o jeito de vida excêntrico do garoto para notar a mudança de humor e comportamento. Passou dois anos redigindo textos sobre solidão e suicídio. Quando tanto papel não mais cabia no apartamentozinho que morava, ele teve a grande ideia: reuniu toda a papelada em caixas e doou para um centro de reciclagem mais próxima. Começou a recolher papéis e papelões na rua e quando ia entregar, misturava em meio ao material poemas e frases de incentivo. Se ele não podia chegar até as pessoas com suas palavras, que cada ideia sua estivesse intrinsicamente presa a todo novo papel produzido.
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