terça-feira, 1 de julho de 2014
Trilhos.
Nunca achei que essa viagem ia me fazer tão bem. Sair um pouco de casa, do meu país na verdade, me deu uma perspectiva muito diferente. Sair do conforto de casa e, principalmente, me distanciar daquilo que me fez tão mal nos últimos anos, me fez um bem enorme. Não era pra ter terminado como foi, a gente tinha um futuro planejado pra terminar velhinhos e felizes em uma cidade qualquer no interior mas agora estou aqui, sozinho em um trem velho, vendo as paisagens de um lugar onde eu nunca quis estar.
A França é muito mais fria do que eu pensava. Além das várias camadas de roupas, não consegui fazer muitos amigos por aqui. Sempre sou muito bem recebido, mas estranho essa distância natural entre desconhecidos, lá no Brasil tudo era mais próximo. O sorriso, o abraço, o beijo no rosto, as tardes na praia vendo o Sol se pôr, você, o cobertor.
Ando sozinho há dois meses, difícil aprender todas as línguas que esse lugar fala. Meu pouco inglês é o suficiente para não morrer de fome e ter onde dormir, mas ninguém está muito interessado em falar outra língua que não a própria. Me lembram demais dos nossos últimos dias, quando você se recusava a me entender.
Como foi que a gente chegou aqui? Como foi que eu cheguei aqui? Não consigo dormir com o balanço do trem. Fico olhando as paisagens, parece que tudo foi estrategicamente montado para um set de cinema. Cada árvore, cada lodo na parede das casas antigas, cada habitante é um figurante de luxo de um filme que você não queria ver.
A vida dá voltas demais. Você nunca soube da lua de mel que eu planejei pra gente. Nunca pude fazer o pedido de casamento dos sonhos, que deixaria todos do restaurante emocionados e com inveja. Você nunca conheceu nossos filhos, que eu sonhava em levar para o parque e ensinar a jogar bola. Você nunca conheceu nossa casa de campo. E nem eu, na verdade.
Minhas economias que eu tinha guardado para te dar paz e conforto, viraram essa viagem. Além do dinheiro, foi meu carro, meu emprego, minha coleção de livros, minha paz de espírito e meus sonhos. A viagem mais cara que eu alguém já fez.
Para dormir, me embebedo no hall de hotéis baratos, conversando com o barram, muito bem pago para me ouvir. Mas não falo de você. Invento histórias que escondem minhas frustrações em estar ali. Ainda espero a tecnologia que apagaria nossa memória e colocaria outras no lugar. O homem já chegou na lua e ainda não entendeu o cérebro humano.
Queria um manual de instruções, pra entender o que fez você abrir mão de tudo o que a gente tinha. Onde eu falhei ao me entregar por completo para você. Em não ouvir meus pais, meus amigos, você.
Você sempre soube que não funcionaria. Me deu várias dicas durante nossos cinco anos de relacionamento, mas eu era bobo, jovem. Não queria ver, queria que a gente vivesse os contos de fadas, as comédias românticas. Logo eu, que nunca acreditei no amor, mas você me convenceu, mesmo sem querer, que com a gente funcionaria. Que o sapatinho de cristal se moldaria no pé de quem acreditasse. E me percebi de repente o cocheiro te levando para um baile. E ainda assim fiquei e insisti e vi você perceber-se princesa e ir embora.
Fugi sim dos meus problemas. Com a consciência tranqüila dos covardes que estão cansados demais para lutar. Deixei minha dor pra trás e vim buscar conforto no desconhecido.
"Com licença, esse lugar está ocupado?"
Meu coração? Sim, ele está cheio de dor e rancor. Mas a poltrona em minha frente está disponível sim, fique a vontade. O inglês arranhado dela, denunciava que também não era daqui. O chaveiro do Rio de Janeiro na mochila denunciava que ela já esteve no Brasil. Arrisquei e perguntei se ela falava português.
"Meu Deus! Não acredito? Você é brasileiro? Estou muito perdida aqui, cheguei ontem e descobri que todo o esquema de hospedagem que eu tinha reservado era furada. Gastei muito dinheiro do meu pai e não posso contar pra ele, entrei no primeiro trem que saiu da estação que eu estava."
Tinha tanto tempo que eu não conversava com alguém que quase fiquei sem ar. Ela parecia jovem, simpática e estava perdida na Europa. Um pouco como eu. Ouvi ela contando sobre como tinha planejado sua viagem por meses e chegando no endereço da pensão que ela ficaria enquanto estudava, não havia pensão, não havia a Escola de Artes que ela havia pagado a mensalidade, não havia nada. E como ela decidira fingir que tudo estava bem para seus pais até ela voltar para o Brasil.
Não inventei história dessa vez, mas também não falei muito. Sabia que eu não estava muito longe da minha parada e não queria criar muitos laços. Falei palavras de conforto sobre como ela conseguiria sobreviver tranqüilamente esses meses na Europa e que o melhor a se fazer era ser franca com seus pais.
O trem finalmente chegou na próxima estação. Me despedi educadamente, recolhi minhas coisas e caminhei para a saída. Quando coloquei minha mala no chão, percebi que passei a última meia hora sem lembrar dela, do mal que ela me fez, do que eu deixei para trás. Foi a primeira vez desde que cheguei aqui e talvez o maior tempo sem pensar nela dos últimos seis anos. Peguei minha mala e voltei para a cabine que eu estava. Não sei para onde essa viagem vai me levar, mas que pelo menos eu não vou fazê-la mais sozinho.
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