quinta-feira, 19 de dezembro de 2019
A árvore.
terça-feira, 17 de dezembro de 2019
O presente.
segunda-feira, 16 de dezembro de 2019
Sono dos justos.
domingo, 15 de dezembro de 2019
Represa.
segunda-feira, 25 de novembro de 2019
Vida.
Assim como as primeiras palavras
A pureza de quem corre pra um abraço
O carinho sincero de onde não se esperava
Pouco depois vem as primeiras quedas
Os primeiros choros não remediados
O primeiro trauma que não se supera
A primeira fagulha que marca o passado
Então você tenta descobrir quem é
Não encontra-se em lugar nenhum
Você não sabe direito o que quer
E não acha mais nada em comum
A vida então traz responsabilidades
As contas, empregos e amores
Outras coisas que vem com a idade
Outras formas de curar suas dores
Mas tem uma hora tudo passa
Porque o tempo passa sem lhe perguntar
Você olha pra trás e acha graça
Até chegar sua hora de descansar
quinta-feira, 21 de novembro de 2019
Tempo.
E muitas vezes ele afrouxa com o tempo
Para poucos que guardam sorte
Os anos reforçam esse sentimento
Momentos passam batido
Outros duram como cimento
Cortes curam como se não tivessem doído
Cortinas descansam como se não houvesse vento
A base, mesmo que fraca, aguenta,
Se a estrutura não pesar pro lado
Com boas paredes a casa sustenta
Todo o peso que cair no telhado
E o tempo, esse passa voando
Como quem pouco se importa
Daqueles que vão pra janela quando
Não conseguiu entrar pela porta
Hoje já coloco meu pé no sofá
E levo o lixo pra fora
Como quem sempre esteve lá
E não tem hora pra ir embora
terça-feira, 19 de novembro de 2019
Conto.
As pessoas sempre querem mais
Elas esperam pelas derrotas e vitórias
Anseiam pela guerra e pela paz
E cada capítulo que passa,
Que traz mais daquele mundo,
Traz pro real muito mais graça
Deixa seu sentimento mais profundo
Então não tenha medo de continuar
Porque o final pode ser só um ponto
Que alguém colocou sem querer
Se uma vírgula entrar no lugar
Abre espaço para um novo conto
Seu leitor vai agradecer
Chegada.
quarta-feira, 13 de novembro de 2019
Casa.
Que caiba todos nossos planos
Caiba os filhos e seus filhos
Dê um teto e dure anos
Que os discos e os livros
Não se cansem de tocar
Onde todos se reúnam
Sempre à mesa de jantar
Que as diferenças se resolvam
Em palavras, não em punhos
Que o perdão seja o rumo
E o coração seja mais puro
Que os muros tenham portas
E que as deixem abertas
Que ventilem as janelas
Que importa se lá chove
Molha o chão mas traz a calma
Que descansa pós-domingo
Recolhe a roupa e lava a alma
E como pedra, ela dura
Mira longe, acerta em cheio
Cada muro e sua textura
E o amor em seu recheio
domingo, 10 de novembro de 2019
Fantasia.
terça-feira, 29 de outubro de 2019
Carne e Osso*.
Destruindo muitas rochas
Todo leão vira rato
Se perde muitas apostas
Também vi seu sofrimento
Apoiado em sua fé
Se não sou seu inimigo
Não sei quem é
Pois afinal, lá no fundo
Somos só de carne e osso
Somos imagens no espelho
Cada um para um lado oposto
Dentro de si, fora de nós e sem razão
Que deixa uma cicatriz
Me castiga e me machuca
Me ensina a ser humilde
E não deixa que eu retruca
E quando eu paro pra pensar
Meu orgulho é meu dilema
Pois preciso aceitar
que eu sou parte do problema
Pois afinal, lá no fundo
Somos só de carne e osso
Somos imagens no espelho
Cada um para um lado oposto
Dentro de si, fora de nós e sem razão
A gente volta onde parou
Protegendo a visão
Dos cacos de uma nova vida
Espalhados pelo chão
Viver pra trás é muito errado
Num mundo só de pecados
Todos merecem ser perdoados
É nossa chance de mudar
Pois afinal, lá no fundo
Somos só de carne e osso
Somos imagens no espelho
Cada um para um lado oposto
Dentro de si, fora de nós e sem razão
*Tradução livre da música "Guts n'Teeth", de Old Man Markley.
segunda-feira, 28 de outubro de 2019
Solidão.
quarta-feira, 23 de outubro de 2019
Trinta.
Ps. lembro de escrever um texto falando sobre como completar vinte anos foram bem mais marcantes pra mim do que os 18. Infelizmente não consegui encontrá-lo.
terça-feira, 8 de outubro de 2019
Baldeação.
Às vezes divago sobre a dor do outro: a mulher que digita rapidamente na tela do celular, enquanto segura as compras com a perna. O moço que chora discretamente enquanto escuta algo em seus fones, com a cabeça recostada no vidro. O homem que, de tão vazia sua expressão, deixa o corpo ser levado pelo movimento em busca de sentir algo finalmente. A criança que se comporta ao lado da mãe na esperança de pararem no caminho para comprar um doce ou algo assim. A senhora que repete silenciosamente trechos da bíblia como se aquilo fosse limpar seus pensamentos impuros e levá-la direto para o céu. O adolescente que sente o peso da responsabilidade não só do próprio futuro mas também o de toda sua família, e não sabe se está preparado para as provas que virão nos próximos dias.
Cada pessoa é um mundo inteiro de sentimentos e histórias, que se cruzam diariamente nas suas rotinas e rotas. Quando cruzamos o olhar, faço um sorriso discreto, não daqueles que querem puxar conversa, mas daqueles que entendem a nossa dor. Peço desculpas quando esbarro em alguém e quando esbarram em mim. Peço licença e por favor, mesmo quando não é necessário. Falo bom dia, boa tarde, boa noite aos trabalhadores que fazem todo o sistema de transporte funcionar. Se alguém puxa assunto, tento estar atento dentro das minhas possibilidades. Quando não posso, peço desculpas e invento um motivo para colocar meu fone.
Não me sinto responsável pela vida dos outros, minha vida já é difícil por si só, mas entendo que estender a mão muitas vezes é fácil e muito significativo para quem está para baixo. Ou continuo fazendo na esperança de que um dia façam comigo, não sei. Só sei que minha dor diminui um pouco quando o outro não dói mais.
terça-feira, 24 de setembro de 2019
Águas.
Debaixo da água eu tinha o silêncio
E a leveza de um mundo sem peso
Quando foi que deixei a água pra trás?
Lembro de ficar sozinho por horas
Até o sol ir embora
E minha mãe me mandar voltar
Estranho como hoje já não consigo
O silêncio incomoda
O despropósito também
Preencho com música
Todo o tempo que tem
Mas debaixo da água,
Na calma da apneia
De repente me sinto bem
Privado por um momento
De todas minhas sensações
Sem questões e sem ideias
Apenas eu, cercado pelos lados
Duma paz que não lembrava
Sempre subo para pegar ar
O fundo não é meu lar
Mas quisera eu flutuar tranquilo
Para sempre em alto-mar
Sem o peso das contas
E dos que contam comigo
Sendo levado por ondas
De um oceano sem perigo
quarta-feira, 18 de setembro de 2019
Construção.
Seria ausência ou serei memória
terça-feira, 17 de setembro de 2019
Ingratidão.
Mas deixar pra trás é tão pesado
Porque soa quase como um abandono, ingratidão
A gente olha pro passado e se orgulha
Vê o caminho que já andou
Vê os tropeços e acertos
Vê o tanto que cresceu
E continua o caminho quase sem pensar
Mas quando o passo é mais longo
Quando o pulo é mais arriscado
Parece que a gravidade puxa mais forte
E o ar fica mais pesado
A gente respira fundo
Mas o peito trava no meio
E olho se enche de lágrima
Não posso mais ficar parado
A curva de crescimento é lenta demais
Mas dói demais olhar o passado
E aceitar que ele ficou para trás
quarta-feira, 11 de setembro de 2019
Semana.
Sente o calor do sol?
A brisa leve que não demora
E a textura do lençol
Sente o cheiro do café
Que sobrou na cafeteira
Hoje pode ser um dia bom
mesmo sendo segunda feira
terça-feira, 3 de setembro de 2019
Sonhos intranquilos.
Mente vazia oficina de sonhos
Transporto-me para um resort em tel-aviv
Tela ao vivo transmite meu sono
Corrente invisível me prende à cadeira
Cadeia de processos me trouxeram aqui
Acordo cansado em plena segunda-feira
Consequência de tudo que apostei e perdi
Meus pais dizem que é só trabalhar mais
Meus avós falam que o melhor é após
Meus amigos, perdidos, não falam mais nada
Dividem a dor e os pesadelos de madrugada
A noite me caçam e acordo suado
Uma voz infantil, imatura e mimada
É só um sonho, diz um senhor cansado
Mas se são só sonhos
Sonhar aqui não vale nada
quarta-feira, 28 de agosto de 2019
Tudo bem.
Queria que você me olhasse nos olhos
E me dissesse que vai ficar tudo bem
Que depois de tudo não vou ficar
Com um gosto amargo na boca
E um choro engasgado na garganta
Que vou ter vivido o que eu precisava viver
Quando eu precisei viver
E que um passo pra fora é importante
Pra quem quer ir mais longe
Me fala de coração que vai ser difícil
Mas que sempre é
E que pouca gente teve o privilégio de viver
O que a gente viveu
Fala que você também vai ficar bem
Do seu jeito de lidar com as coisas
E que eu não preciso me preocupar
Porque você é assim, parece não precisar
Mesmo estando muito feliz em ter
Mas e eu?
Quem eu vou ser longe de quem eu era
Será se eu consigo ser eu mesmo
Será se o mundo vai me abraçar
Ou me chutar pra fora
Fala pra mim que vai ficar tudo bem
E se precisar, mente pra mim também
Porque eu não estou preparado para que dê errado
Então que, caso dê, que eu erre com certeza
Mas quando eu perguntar
Fala que vai melhorar
Que as coisas são assim mesmo
Que é um dia de cada vez
Porque vou sentir demais a falta
De você pra me falar que vai ficar tudo bem
sábado, 10 de agosto de 2019
Quem são.
Que não me beijaram boa noite
Não me cobriram no frio
Nem escutaram meu choro
Não marcaram memória
Nem se fizeram presente
Nem a somar ou tirar
Não me mostraram os mapas
Nem deixaram sonhar
Mesmo eu dando tudo que tinha
As metas que nem eram minhas
Eu cumpri sem questionar
Quando o telefone tocou
E eu saí sem avisar
Voltei tropeçando
Entrei direto no quarto
Pra que não me ouvissem chorar
Porque não agradeço
Porque não obedeço
E não abaixo a cabeça
A responder desse jeito
A me comportar desse jeito
A tratar vocês desse jeito
Onde eu mais buscava
Já que nada que eu sou
Eu me tornei em casa
terça-feira, 6 de agosto de 2019
A pequena sereia.
O sol estava mais quente que o normal, mas ela não ligava. Enterrava os pés na areia só para poder levantá-los e sentir as pedrinhas caindo entre seus dedos. Às vezes o mar subia e enchia de água o buraco que ela estava sentada. De longe seu irmãozinho construía um pequeno castelo de areia. Ela gostava de pensar que aquilo tudo era seu reino, e que todos ali na praia eram seus súditos. Não que existissem para serví-la, mas que sua benevolência e cuidado que mantinha todos em um ambiente seguro. Sua mãe vinha de tempos em tempos reforçar o protetor, e trouxe um coco imenso com dois canudos coloridos. Ela enterrou o coco na sua frente, no limite do canudo, que abaixava para poder tomar mas deixava as mãos livres. Ela também fazia pose, com os braços pra trás e as pernas semiesticadas, como as moças adultas que ela via por ali. Levantava os óculos muito maior que sua cara, e manda piscadinhas e beijinhos para o mar. Quando crescer ela quer ser sereia, pra poder viver no mar e só sair para cantar. Com um cabelo gigante e colorido, ela já imaginava o movimento dele no oceano. Teria uma coleção completa de todas as conchas, com vários tamanhos, cores e texturas. Também seria amiga de todos os animais, que nadariam com ela numa dança ritmada. Algumas vezes ela voltaria à terra pra poder visitar seus pais, ela realmente gostava do bolo de fubá da sua vó. Mas fora isso não gostava de ver como trabalhar cansava sua mãe e como as contas estressava seu pai. Então ela tinha decidido que seria sereia, porque sereia não tem trabalho de adulto. Seu irmão poderia ir com ela se ela quisesse, mas ele teria que se comportar porque ela não iria ficar cuidando dele o tempo todo. Será se as algas e outras plantas aquáticas tinham que ser podadas de vez em quando? Ou elas já nascem do jeito que elas tem para crescer? Ela podia se encarregar de regar as plantas do oceano, ou colocar em vasinhos pra poderem tomar sol. Esse seria o trabalho dela, tinha decidido. Reuniu seus brinquedos cheios de areia, viu a marca do seu bumbum encher de água mais uma vez e foi dar a grande notícia para sua mãe, mas ela estava ocupada demais no telefone.
quinta-feira, 1 de agosto de 2019
O texto.
Meu melhor amigo Werther.
Mas é difícil demais não se identificar com a história do jovem que vai para o campo em busca de inspiração para uma vida vazia e lá conhece uma pessoa que atende todas suas demandas e sonhos, para depois descobrir que ela está noiva de outro. Vemos o sentimento de Werther crescer a medida que a convivência dos dois aumenta, até chegar no caso extremo dele precisar se afastar por não conseguir estar perto dela sem ter ela como amante. E Charlotte, ou Carlota dependendo da versão do livro que você lê, sempre gostou muito de Werther. Ele era uma pessoa erudita, de conversa fácil, muito carinhoso com ela e com os seus vários irmãos que ela cuidava desde que a mãe morreu. Mas o amor, ou o desejo de se relacionar, não é um campeonato onde se acumula pontos e ganha o direito de vivê-lo, e Albert, seu noivo, também era uma pessoa boa que fazia muito bem para ela e sua família.
Durante o livro, vemos Werther entrando em um labirinto próprio que dificilmente conseguiria sair, principalmente em um momento onde terapia e psicologia mal existia nos livros. Não conseguimos saber quão reais são as características de Charlotte, já que estamos sempre vendo o ponto de vista de Werther em suas cartas para o amigo Wilheim (Guilherme em algumas traduções!!!). Mas mesmo do ponto de vista dele, vemos que Charlotte sempre foi muito respeitosa com seu relacionamento e que Werther se prendia nos pequenos gestos para alimentar seu sentimento. Por diversas vezes, ele se passava horas admirando objetos que ela havia tocado.
Quando adolescente, consegui me ver em muitas das atitudes dele. O que mais me chama a atenção nessa relação é a ideia de injustiça ao não ter sentimentos tão intensos correspondidos. Como que alguém que está tão disposto a fazer tudo que a outra pessoa quer e precisa pode ser descartado com tanta facilidade? Como alguém que é querido, não odiado, não menosprezado, pode ser descartado como interesse romântico? Mesmo em seus últimos momentos, Werther ainda não entendia isso. Ainda buscava em cada momento de afeição, cada demonstração de carinho, como um sinal de posse e entrega de Charlotte para si. O respeito e admiração que nutria por Albert alternavam-se com um ressentimento gigante por ele ter sido o escolhido para estar ao lado dela.
Mesmo com os olhos atuais, onde existe uma certa responsabilidade em alimentar um sentimento alheio não correspondido, Charlotte seria aprovada com louvor. Suas ações eram verdadeiras e bem intencionadas, inclusive em buscar se afastar de Werther quando entendeu necessário. Já Werther usava da sua personalidade e educação para buscar meios de estar na presença dela, criar situações que os aproximavam e, por fim, criar nela a culpa pelo seu fim trágico. Não uma culpa de chantagem, mas um entendimento de que eles só poderiam estar juntos em outro plano e por isso ele estaria lá esperando por ela.
O comportamento de Werther hoje me traz vários alertas e vejo como inconscientemente me tornei meu chará Wilheim. A busca por apoiar, achar soluções, propor saídas e incentivar as artes daqueles que amo e que buscam ajuda felizmente me aproximou mais do receptor das cartas do que seu autor. Entendo a dor do meu amigo Werther, mas não alimento-a e, acima de tudo, não apoio os meios que ele usa para lidar com ela. Mas tudo que posso oferecer são sugestões, conselhos baseados nas minhas experiências e na minha observação do mundo.
Sofro pelos jovens do século XIX e do século XXI que não tiveram pessoas ao seu lado para ajudá-los com seus dilemas e agradeço quem esteve ao meu lado e quem contou comigo. Chorei por diversas vezes lendo o livro e pensando por quantas vezes outras pessoas passaram por aquilo e não conseguiram enxergar os próprios erros e caminhos de volta. A internet traz acesso a redes de apoio mas também ensina e incentiva o mal, assumo aqui, bem mais consciente, meu papel de Wilheim. Que eu possa fazer o que ele não conseguiu.
domingo, 28 de julho de 2019
O menino e o mar.
quarta-feira, 17 de julho de 2019
Capitão.
Então guio o barco para o olho do furacão
Passo confiança para minha tripulação
Enquanto por dentro me tremo inteiro
Mas do outro lado tem nosso destino
A fama e glória que me prometeram
O tesouro de ouro genuíno
As praias que outros homens não conheceram
E eu finjo costume
Como de costume
Como sempre fiz
Assim guio os meus
No desejo de Deus
Contra o que eu quis
A onda levanta a proa
O mar se revolta irritado
Vira o barco como canoa
Testa meu fôlego e nado
Na praia, levanto perdido
Em meio a areia e derrota
Pior é ter sobrevivido
E ver afundar minha frota
De noite, fantasma me assusta
De dia o que me assombra é a fome
Tesouros não valem a luta
De ver morrer os meus homens
quarta-feira, 10 de julho de 2019
Passarinho.
domingo, 30 de junho de 2019
Desculpas.
Os médicos não me falavam, mas muitas vezes eu ouvia eles dizerem sobre meu estado enquanto achavam que eu dormia. Não havia muita esperança porque não havia resposta. Os exames eram inconclusivos e o tratamento não demonstrava grandes resultados. Com meus olhos abertos, a reação era sempre outra. Traziam boas notícias e esperanças. Como se viver meus últimos dias feliz diminuísse um pouco o peso desses meus últimos dias.
"As flores morreram antes de mim", eu disse numa tentativa de quebrar um pouco o gelo mas só consegui fazer minha mãe chorar ainda mais por não conseguir cuidar nem das flores que levou pro meu quarto. Dizem que você se acostuma com a dor, mas estar acordado era insuportável todos os dias. Por isso meus olhos escolhiam se fechar por muitos momentos, na esperança de que se eu não me mexesse, meu corpo se desligaria sozinho.
Sempre gostei muito de viver, e investi anos demais da minha vida nisso pra abrir mão facilmente, mas cada dia que eu acordava era uma decepção. Morrer dormindo era minha escolha desde sempre, nas brincadeiras de criança onde isso não passa de uma ideia tão distante quanto um filme no Espaço Sideral. Hoje era uma realidade e um desejo, meu corpo poderia se desligar a qualquer momento, mas insistia em não. Pros meus pai eu era um milagre, um sentimento egoísta de me manter ao lado deles a qualquer custo, como prova do sucesso deles como pais, mas se o Deus que eles acreditam fosse tão poderoso, ou piedoso ao menos, já teria me poupado desse processo cansativo e doloroso. Ou me explicado melhor o plano tão grandioso que me transformaria meu martírio em uma peça-chave. Mas não, era sempre a enfermeira, ou meus pais. Alguns amigos. E o ritmo cada vez menor, e eu ficando cada vez menos ativo e interativo.
Até que hoje, você veio. Sem dó, mas sem peso nas palavras, me falou sobre como eu poderia ter sido uma pessoa melhor. Falou também sobre como eu te machuquei tantas vezes, machuquei meus pais e as pessoas na minha volta. Assumi cada erro e tentei contextualizar o que eu pensava na época, mostrar um outro lado. "Nunca me considerei uma pessoa ruim, não queria seu mal", disse mas você discordou. Com a delicadeza de sempre, me ensinou muito tarde demais. Porque eu também percebi tarde demais o quanto você me fazia bem. Devaneios infantis de um homem que viveu demais e aprendeu pouco. Aprendizado tardio de coisas que deveriam estar ensinar na escola. Os bons momentos eram eclipsados pelo meu passado e pelo remédio que mais uma vez me derrubava. Pedi desculpas por não conseguir continuar a conversa e pedi desculpas por tudo que eu fiz. Tudo mesmo, cada detalhe. Fechei meus olhos pela última vez, carregando comigo toda a culpa dos meus erros.
Hoje, o mundo inteiro dormiu mais leve.
terça-feira, 25 de junho de 2019
Dose.
quarta-feira, 19 de junho de 2019
De que adianta.
Os átomos em rotação
As rochas se solidificarem
E a sopa em emulsão
Gerar vida aqui na Terra
Num cantinho do universo?
As células se multiplicarem
Em seres mais complexos
Os peixinhos criarem pernas
E depois subir nas árvores
Nosso cérebro aumentar
Dominar o fogo e o ar?
A caça e a plantação
O auge da civilização
A escrita e filosofia
A caverna de Platão
As naus de exploração?
De que adianta o Iluminismo
O planeta em rotação
Gutemberg e sua prensa
Enlatados na despensa
O tempo relativizado
Resolver as desavenças
Em um muro derrubado?
De que adianta a ovelha-clone
E qualquer smartphone
O fim de todas as doenças
E a erradicação da fome
De que adianta, você me diz,
Se sem você não sou feliz?
quarta-feira, 5 de junho de 2019
Deito.
Cerco seus dedos com meus medos
Me perco no cheiro do seu cabelo
Um conto que não planejei o enredo
Sua boca pressionada contra a minha
Como se sozinha ela não fosse uma
Sem atrito, nosso suor se mistura
Sem lua, nosso corpo brilha
Tropeço em meias, saltos, sapatos
Tateio os móveis do meu quarto
Sincronizo meu corpo no seu
Deito cansado em seu peito
Meu coração bate com o seu
E suspeito que não tem mais jeito
O sonho invade minha mente
Nele também estamos juntos
Você me confessa o que sente
Ri de algo e muda de assunto
Deitados debaixo das nuvens
Com as costas coladas no chão
Sentindo o movimento do vento
E você apertando minha mão
Acordo me sentindo seguro
Seguro você contra mim
Sinto o sentimento mais puro
De uma noite que não terá fim
terça-feira, 28 de maio de 2019
Boa Noite.
Apaga a luz e acende uma vela
Deixa o perfume preencher o ambiente
Permita-se deitar e limpar sua mente
É disso que falam as grandes histórias
Momentos intranquilos que antecedem a glória
Então, por agora, apenas descanse
Ache uma posição e se dê essa chance
Amanhã promete ser um novo dia
Novos desafios e novas manias
Por enquanto, no entanto, só tente dormir
Em um esforço ativo, deixe o sonho fluir
Num piscar de olhos eles não se abrirão
E a calma te alcança em cima do colchão
segunda-feira, 27 de maio de 2019
Olho roxo.
Cobra mais do que olhar o peso do outro
Pois não podemos impedir que a bolha estoura
E a bagunça se espalhe pelo chão de novo
Pois pra você mesmo não se pede desculpa
Não se justifica nem se refuta
O que você externaliza não muda
A verdade que só você escuta
Anos de terapia não são a solução
Se seu coração continua em negação
Achando que o mundo está contra você
Quando sua mente insiste em te prender
Em um mundo de ilusão e superfície
Apoiando-se no primeiro que ouvisse
Mas o olho roxo não é medalha
A pena dos outros não esconde a falha
Porque ela também é passageira
Não sobrevive nem à próxima segunda-feira
Enquanto sua luta for contra o mundo
Seu revés continuará cada vez mais profundo
quarta-feira, 22 de maio de 2019
A Vista.
Vou me permitir viver esse momento um pouco. Esse breve instante onde as coisas estão bem e prometem melhorar. Nesse tempo, uma felicidade contínua como poucas vezes vivi ou percebi com tanta clareza, deve ser enunciado para ser lembrado no futuro. Ele, potência mil de onde não se via nada, pega embalo em uma reta ascendente cada vez mais rápida. Não sei se meus planos se cumprirão, não sei se os sonhos que me deixaram sonhar vão se realizar. Pode tudo dar errado, inclusive, e no final eu estar muitos passos para trás. Mas agora, quero curtir e reconhecer onde estou. Quero agradecer todos que me trouxeram até aqui e aqueles que prestaram atenção o suficiente para se inspirarem. Inspirei-me em tantos outros, em seus próprios momentos de ascenção e clareza. Achei exemplo onde poucos viram e não diminuo nenhum empurrãozinho que me levou pra frente. Estou onde quero estar, com as pessoas que eu quero estar, fazendo o que eu gosto de fazer e olhando pros próximos passos e feliz demais com o que vem pela frente. Desvios são naturais e nos levam a lugares diferentes, mas vou me permitir parar agora, sentar na estrada, e observar a vista.
terça-feira, 7 de maio de 2019
Hoje.
quinta-feira, 2 de maio de 2019
Amanhã.
O vento me leva em passo lento
O peso nos ombros se dissipa
Fortifica os joelhos e solidifica
O próximo passo passa rápido
Peso e descarto o que ficou pra trás
Trago comigo muito bem guardado
Tudo o que sobrou do que não quero mais
Mas sei da incerteza do meu futuro
Mando recado pra quem eu vou ser
Que se meu eu de ontem sobreviveu a tudo
Não vai ser o de amanhã que não vai viver
quarta-feira, 24 de abril de 2019
Caminho.
terça-feira, 23 de abril de 2019
Vento.
Olhar pra frente e ver o oceano me cercando, sem indicação para onde ir mas também sem amarras. Treinado para estar preso, hesito em começar, como se minhas pernas ainda sentissem o peso das correntes. Uma leve brisa corre em meu rosto que me faz pensar por um segundo como deve ser voar. Ao mesmo tempo, sinto a água me levando levemente para outro lugar. Impossível ficar parado quando o mundo parece te querer longe. A pressão em meus ouvidos faz minha cabeça doer, como se eu não soubesse que pra ela diminuir é só dar alguns passos. Não estou preso mas ainda me sinto. Estou leve o suficiente para me deixar levar, não sofro com as dificuldades. O que me segura agora é invisível e imaterial. Como o vento, que me empurra. Só preciso aceitar e planar.
quarta-feira, 17 de abril de 2019
Gaiola.
O que é essa sensação de desprendimento que cresce? Depois de tanto tempo que eu me esforcei para fazer parte? Depois que eu voei por um tempinho e a situação me isolou do solo, parece que tudo continua pequeno mesmo depois que eu pousei. Os problemas não me atingiam lá de cima, as expectativas também não. Fui livre como me preparei para ser. E agora que voltei, estou quase sem lugar, como se aqui também fosse só passagem. O destino é para fora, o lugar que não me permitia conhecer. E me deixar vagar sem rumo, deixar o acaso tomar conta dentro do pequeno controle que tenho de escolher estar naquela situação. O poder que isso dá é imenso, pois toda dor é menor e passageira quando você olha o todo. Vai doer, com certeza, como uma tatuagem sofrida que pra sempre está marcada. Mas tudo me empurra pra fora, mesmo fora do meu controle. Apressam o processo, bloqueiam meus desvios. A ladeira me deu o embalo necessário para ganhar velocidade e voar novamente. Mas eu ainda vacilo, desacostumado a poder. Ansiando por uma direção que não depende de mais ninguém. Só me querem fora daqui, tudo conspira. Eu deixo a corrente me levar, menos preocupado em firmar os pés no chão. Outras quedas virão mas também novos vôos. Não adianta olhar da gaiola e imaginar o mundo lá fora, a porta está aberta.
segunda-feira, 15 de abril de 2019
Aquário.
Que não tinha notado até então
Talvez por nunca ter ido
Muito além do que me alcança a mão
O crescimento força as paredes
Rompendo aos poucos o que me prende
Sem indicação de caminho certo
Me deixando a deriva num mar aberto
Flutuo sem direção
A corrente indica um rumo
Mas no nado está a intenção
Na potência do querer que consumo
quarta-feira, 3 de abril de 2019
Orquestra.
quarta-feira, 27 de março de 2019
Areia.
Um pequeno preço a se pagar
sexta-feira, 22 de março de 2019
Lição.
A aposta que não tinha mais fim teve enfim um vencedor.
A dor, por maior que fosse, diminuiu gradualmente.
E sua mente achou a clareza que tanto procurava.
Estava difícil, como é todo trajeto
Perdido, nas primeiras páginas do projeto
O teto desabando e ficando sem chão
Tentando diferenciar o real da ilusão
Mas agora, pés firmes dão o passo
Ditam o ritmo, traçam o traço
Fora do caminho trilhado
Expandindo o possível do inacreditado
Sem asas você voa, boa visão do que vem pela frente
Enfrentar novos desafios, fio afiado corta rente
Se os tropeços doeram no começo
Agora você tem a certeza de joelhos resistentes
quarta-feira, 13 de março de 2019
Muralhas.
Disfarçado com o chapéu e os óculos escuros
Que nem toda a roupa no chão revela
Nem mesmo o Sol ou a luz de uma vela
O que está por trás do sorriso forçado
Que o olho vermelho disfarça embaçado
As palavras desviam em outros assuntos
O que é que se esconde por baixo de tudo
Traumas tão grandes que inquietam a alma
Medos tão fortes que enrijecem os dedos
Muros tão duros que não se fazem mais furos
Na esperança que sumam quando ficam em segredo
Mas a vida é jogo
Cada um dá seu passo
O turno acaba e conquista seu espaço
Mantém as visitas de fora
A dor encarada pode ser dividida
Não carregue sozinho o peso da vida
sexta-feira, 1 de março de 2019
Juntos.
Você soltou a mão por um segundo e me perdi na multidão de gente. Olha em volta em busca do lenço azul que você usava na cabeça não consegui te encontrar. Me preocupei que você se preocuparia sobre onde eu estava mas logo passou, é carnaval e cada um sabia bem seus próprios limites e como se manter seguro. Me deixei aproveitar as diferentes músicas que dava pra ouvir da minha posição, uma bem próxima, algo que era considerado brega quando saiu mas que hoje, vinte anos depois, ganhou status de cult e era entoado por todos a minha volta. Um pouco mais distante eu ouvia uma música que reconhecia. O ritmo e depois a letra. Lembro de adolescente ouvir aquilo na tv e me perguntar o que significa. Perdido na metáfora, que hoje eu entendo que era apenas sexo como a maioria das músicas que existem, criei minha própria interpretação quase que literal do que ela significa. Eram tempos mais puros, da minha parte pelo menos. Meu olhar continuava viajando em busca do seu lenço azul, e já pensando em como atravessar aquela multidão para o nosso ponto de encontro caso nos perdêssemos. Uma mão pousou no meu ombro e quando eu já virava automaticamente que tinha namorada, você sorridente me entregava um copo cheio de uma bebida azul. Seu sorriso me trouxe alívio e me fez perceber melhor onde estava. A atipicidade da situação, como cheguei ali, o que estava ouvindo, as pessoas em minha volta e, principalmente, estar com você me trouxeram uma sensação de leveza. Como no dia em que deitei em seu colo pela primeira vez e soube que ali eu poderia repousar. Sei que ali, no meio de milhares de pessoas, eu posso desligar minhas defesas. Os escudos e muros que construí em longos anos de exposição ao mundo e que moldaram a dura pedra dos meus valores. Por um momento, meus pais deixaram o chão pra trás e flutuei sobre todos nós. Enquanto me afastava, via quase em uma clareira, nós dois parados no meu momento de realização. Nem a música eu ouvia mais, só o bater do meu coração. O silêncio do momento indicava que eu não estava mais ali, transitava em uma outra dimensão onde coisas como essa se eternizam. Foi sua respiração próxima a minha boca que me trouxe de volta. Você repetiu o convite para irmos embora. Peguei o copo de sua mão e nos guiei em meio a multidão. Aquele dia eu voei. Não sei se vão acreditar em mim ou se um dia isso vai se repetir, mas a leveza desafia a gravidade e flutua a menor brisa. Se foi você que me soprou ou as forças da natureza, nunca vou saber. Mas lá do alto eu posso afirmar: nós somos muito bonitos juntos.