quinta-feira, 11 de julho de 2024

Ciclos 2


O ciclo se fecha como a grande ficha
Que cai aos poucos e destrói como meteoro
Olho lá fora, o céu cinzento prevê
Os dias frios que me acompanharão daqui pra frente

Sobreviver é a meta, como foi desde o início
E, se possível, aprender alguma coisa no caminho
Que seja novas formas de não se errar
Raro fato de quem ousou sair

As portas abertas convidam a volta
Como o banco da cela que já esfriou
Outro ano, outro mundo, novas línguas
Como o gosto na garganta que nunca passou

Na meta de preencher, achei um vazio ainda maior
Mas do oco interno me transformo em tela branca
Tentando repetir um sentimento que passou
E descobrindo novos sentir pelo caminho

A ansiedade se põe no canto novamente,
O sentimento de que só ao agora se pertence
Vence a derrota, parabéns aos campeões
Peões que perecem em esquadros eternos

sábado, 13 de janeiro de 2024

Trens.

Era mais fácil falar sobre as viagens de trem quando elas não existiam. Na vida real, elas são feitas de horas de podcasts e textos na internet. Algumas vezes a paisagem te pega de surpresa, ou o timing perfeito de um por do sol sobre a ponte te alcança. Uma garota descansa sobre os ombros do seu parceiro, uma criança ri de celular de um de seus pais. O trabalhador aproveita o tempo para trocar as botas e um estudante fala por vídeo com seus amigos do outro lado do mundo. Eu penso sobre a vida de cada um deles e penso se eles pensam sobre minha vida também. O que eles vêem em mim que atiça suas curiosidades? Se é que veem algo em mim. Será se perguntam sobre onde estou indo ou porque pareço triste? Quais histórias eu vivi e o quais poemas se perderam nos meus cadernos? Muito mais do que nas pessoas que eu vejo no meu trajeto, eu penso também nas pessoas que eu não vejo. Aquelas que não chamam minha atenção o suficiente e saem do trabalho para suas casas sem serem notadas. Como uma árvore cai na floresta mas ninguém escuta. Às vezes eu me sinto como elas. Andando invisível em um planeta distante. E sempre quando me aproximo do abismo, em vez de escutar chamarem meu nome, escuto o anúncio que chegou minha estação.

Caleidoscópio 6.

Caminho no corredor de espelhos
Ignorando o vermelho dos meus pés 
Piso nos cacos que me atravessam
Tornando a travessia cada vez maior
Mas as cores no fim do túnel iluminam meu rosto
E o gosto de sangue me alimenta de raiva
A dor não alivia, o silêncio não acalma
A alma se cala como quem já foi embora
A hora não passa e meus passos pesam
Rezo pra chegar logo o caleidoscópio no fim.

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Desvio (Inktober #004)

Você viu? Mas foi quase que me pegou em cheio. Eu estava sim distraído mas não quer dizer que eu mereça a maior das punições. Ou um alívio? Quem sabe o mesmo motivo que me levou até ali, essa distração consequência de aprender mais sobre si mesmo do que gostaria, essa eterna sessão de terapia que é a vida. Que te deixa atordoado te mostrando que pouco do que você faz importa, mas importa muito pra quem você faz, e que nada disso vai garantir que coisas boas vão acontecer, por exemplo, do nada, você distraído pode ser seu último momento.
Lembro dele sair do carro, também atordoado, pedindo desculpas, sem saber direito o que aconteceu. Eu estava bem, do que ele estava falando? Olha só, eu o conheço, mas de onde mesmo? Eu preciso ir, não consigo conversar agora, tive um dia muito difícil.
Mas às vezes, é quando você senta que realmente te acerta. Só são e salvo com a proteção da distância que você percebe que aquele rápido desvio sem pensar poderia ter custado muito mais do que um susto. Seu desvio do caminho pra ter tempo pra pensar sobre tudo que você não queria pensar, que ironia, podia resultar na solução final de todos os problemas. Todos os traumas, todos os pesos, os conhecimentos não bem-vindos, as noites de choros e os desesperos acabariam ali no desvio rápido de um carro em alta velocidade.
Um pequeno desvio fruto de uma pequena distração e tudo muda.

Caminhos (Inktober #003)

A gente sempre se pergunta se a gente tomou o melhor do caminho, principalmente quando lá na frente a estrada começa a parecer perigosa. Os “e se” tomam conta da cabeça pensando quão mais rápido ou mais longe chegaríamos se um outro caminho tivesse sido tomado. Que outras pessoas teríamos conhecidos e que outras comidas teríamos provados. Todos os banheiros de rodoviária catalogados e salgados que nunca experimentamos.
Mas a verdade é que o caminho é sempre um só, o caminho que foi passado. Não existe nenhum outro além do que o que você seguiu. Aliás, até que existe. O caminho dos outros está aí pra todo mundo ver. Principalmente pra alguns, as vitórias acabam sendo tão expostas, que esquecemos que cada um teve suas dificuldades pra chegar até ali. Ou mesmo, quando nos comparamos, nem sempre é claro que algumas pessoas tiveram caronas, ajudas, desvios ou atalhos. Fica apenas o sentimento de que fracassamos por não estar onde o outro está.
Enquanto a mim, eu sou estou aqui, onde eu acho que deveria estar fazendo o melhor que eu posso com as ferramentas que eu tenho na mão.

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Aranhas (Inktober #002)

Você ria do meu medo de aranha, como se não fosse normal temer o desconhecido. E pra mim uma aranha é tão desconhecida e perigosa como um leão na Savana. O leão, no entanto, é uma ameaça muito visível o que me dá a falsa impressão de que eu poderia me proteger. A aranha num piscar de olhos se esconde no canto de um móvel como quem planeja qual a forma menos dolorosa de me matar enquanto durmo. Convenhamos, esse é o melhor cenário, pois a aranha, destemida como só ela, pode escolher ficar parada por horas fora do alcance das nossas mãos apenas em um grande jogo de encarar pra ver quem pisca primeiro. Eu, nervoso como sempre, já perdi o jogo ao mesmo tempo que não consigo parar de olhar.
Tento também ver o lado dela, em busca de comida e proteção pra suas filhas, as milhares de aranhas que em breve estarão prontos para o mundo. Eu, o monstro gigante que com uma enorme vassoura posso acabar com todos seus sonhos e tudo que ela construiu. Mal sabe ela do medo do gigante em encarar sua pequenez.
Será se as aranhas contam histórias de aranhas que sobreviveram? Aquelas que lutaram contra a grande ameaça que nós somos e com um ligeiro golpe de sorte, foram capaz de sobrepor a ameaça que assombrava sua família e sua cidade? Será se elas choram por aquelas que não sobreviveram? As que foram eliminadas em sprays inseticidas, esmagadas ou capturadas para a morte?
Às vezes eu penso sobre minha própria insignificância ante o universo, às vezes eu penso sobre quão gigante eu posso ser. Em ambos os casos, eu ficaria feliz se você lidasse com a aranha no meu quarto.

Sonho (Inktober #001)

Já te contei que às vezes sonho com coisas que acontecem anos depois? Lugares que eu nunca estive, pessoas que eu não conheço, todas habitando um subconsciente que não tenho controle sobre e, muitas vezes, que some depois de alguns minutos acordado.
Quando eu te vi pela segunda vez tinha algo familiar na maneira como você gesticulava empolgada sem derrubar uma gota do vinho fora da taça. Reconheci seu sorriso com se fosse a própria projeção do meu desejo, materializada diante dos meus olhos.
Assim foram todas as outras dezenas de vezes que te vi, sempre com um ar de reconhecimento e admiração, algo mágico além do meu entendimento que eu só poderia interpretar como amor.
Dias e meses e anos se passaram, a gente se gostou e desgostou, ficou e separou, até que um dia simplesmente em uma noite tranquila todas as peças do quebra-cabeça se juntaram. Você casualmente riu de mim do canto da sua sala de estar e meu cérebro resgatou a memória de um sonho de anos atrás.
Foi lá que eu te vi pela primeira vez: sentada no canto da sua sala de estar, cabelo amarrado pra cima, a luz quente iluminando seus olhos e a planta. Lembro exatamente da sua risada rindo de mim ou de algo que eu falei. Mas eu não te conhecia ainda, não sabia dos seus gostos pra móveis e muito menos do jeito que você gostar de sentar com as duas pernas dobradas na poltrona.
Eu era apenas um garoto que acordou cansado de uma noite mal dormida com uma breve e ligeira memória de ter sonhado com alguém, e hoje observo como os sonhos se tornam realidade, por algum mecanismo do universo ou alguma falha no espaço tempo que vazou essa cena pra mim.
Assim como o sonho, o momento real passa e fica a confusão: será que isso realmente aconteceu ou é apenas meu cérebro e seus truques. O mistério de ver o futuro continua mas sua explicação mais uma vez se perde para a irrelevância quanto ao todo.